Carimbó: Processo de reconhecimento do ritmo como Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil poderá ser revisto

Na foto: Lucindo à janela; D. Zazá, prima de Lucindo, de braços cruzados, à porta;  mais ao fundo: D. Valdomira, esposa de Lucindo; garoto sentado num "curimbó": filho adotivo de Lucindo; tambor em pé

Na foto: Lucindo à janela; D. Zazá, prima de Lucindo, de braços cruzados, à porta; mais ao fundo: D. Valdomira, esposa de Lucindo; garoto sentado num "curimbó": filho adotivo de Lucindo; tambor em pé

O processo sobre a titularidade do carimbó como Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil poderá ser revisto. O professor-doutor Antonio Francisco de Almeida Maciel, pesquisador há mais de quatro décadas do carimbó e suas vertentes, a partir da poesia autodidata de mestre Lucindo, reivindica a inclusão de suas pesquisas ao conteúdo que originou o título junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Na página do IPHAN na internet, o instituto declara que; "o carimbó foi inscrito no Livro de Registro das Formas de Expressão, pelo Iphan, em setembro de 2014 e recebeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil", e que "entre 2008 e 2013, ocorreu a pesquisa referente ao Levantamento Preliminar e Identificação do Carimbó nas Mesorregiões Nordeste Paraense, Metropolitana de Belém e Marajó".

E, com base nessas pesquisas de 2008 a 2013, o Senado da República, em 2014, também reconheceu o carimbó como patrimônio cultural e imaterial do povo brasileiro, em votação unânime do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural daquela casa legislativa.

Antonio Maciel ouvindo Lucindo em sua residência (Marapanim, 1982).

O problema, segundo o professor Maciel, é que suas pesquisas são anteriores a essas datas e remontam ao um passado bem mais distante, mais precisamente na década de 1980 quando ele começou suas pesquisas em Marapanim, ouvindo relatos dos mestres do carimbó e dos praticantes da dança em toda a região do Salgado, ilha de Marajó e Maués, na fronteira do Pará com Estado do Amazonas. As pesquisas contêm robustas referências históricas do fenômeno, e nem por isso, foram colocadas no processo do IPHAN, originando um prejuízo ao verdadeiro conhecimento científico respaldado pela academia.

Lendo homenagem a Mestre Lucindo e seus Canarinhos (MPEG, 1986 - Foto: A. Pinheiro).

Segundo o professor, o ritmo estava caindo no esquecimento, mas em 1986, a partir da revelação desses estudos em formato de artigos e apresentações inéditas do grupo de canto e dança "Os Canarinhos", do mestre Lucindo, no parque zoobotânico do Museu Goeldi, na Universidade Federal do Pará e muitos outros logradouros públicos, o carimbó de pau e corda ressurgiu, ganhando mais força nos anos 1990 com a divulgação das apresentações de Os Canarinhos na imprensa de Belém e região.

Antonio Maciel lendo homenagem a Mestre Lucindo da F. Pestalozzi (MPEG, 1986 - Foto: A. Pinheiro).

O professor estudou o carimbó das origens a sua expressão musicológica do canto e da dança em dois momentos: primeiro para fins de mestrado na PUCC, em 1983, e para o doutorado, quando retomou os estudos de mestrado com a tese "O Estudo da Fala dos Pescadores da Região do Salgado - Pará. Mudanças Etnolinguísticas Provocadas pela Modernização" (USP-1995). "São estudos altamente relevantes, contundentes e decisivos para ficarem excluídos do processo do tombamento do carimbó", destaca o professor.

Acreano de nascimento, o professor-doutor conta que conheceu o carimbó aos 12 anos, durante uma excursão ao município de Marapanim, quando era aluno seminarista da Ordem Salesiana. "Eu fiquei impressionado com aquele ritmo forte de tambor e harmonia musical daquele grupo em frente à paróquia de Nossa Senhora das Vitórias e naquele momento nem imaginava que um dia o carimbó assumiria um relevante papel na minha vida acadêmica, profissional e social", relembra o professor-doutor, dono de uma memória impressionante e relatos que podem preencher páginas de livros da sua vida ou mesmo de intercâmbio para futuras gerações de amantes da cultura popular.

Antes de começar propriamente suas pesquisas, Maciel ainda venceu um concurso de música nacional e ganhou uma viagem a Alemanha, onde ele fez planos de estudar a etinomusicologia do carimbó, o projeto seria financiado pelo governo alemão, sendo aprovado pelo consulado daquele país em São Paulo e no Rio de Janeiro, porém, foi arquivado em Brasília. O professor permaneceu em solo brasileiro, seguindo com suas pesquisas.

"Tenho a absoluta certeza de que tudo tem origem no tambor de pau oco, o curimbó, já tocado havia milênios pelos indígenas Guajajara durante suas celebrações em louvor à floresta, fartura, fertilidade e diálogos com espíritos e seus ancestrais, enriquecendo-se posteriormente com a musicologia europeia e africana", descreve.

MOVIMENTO - Sobre o movimento que visa o pedido de inclusão dos seus estudos junto ao IPHAN, o professor-doutor diz que será muito representativo e deverá reunir o meio acadêmico de todo o País, não com a ideia de menosprezar o que já existe, pelo contrário, mas fazer justiça a uma manifestação ancestral, milenar e de uma tradição musicológica que viajou no tempo superando barreiras, estereótipos, preconceitos e proibições fragmentadas em relatos históricos desde 1500 (Pero Vaz Caminha), 1541 (Frei Gaspar Carvajal), 1616 (Antônio Barroso), 1757 (Padre João Daniel), 1880 (Código de Posturas de Belém), 1882 (José Veríssimo), 1901 (Vicente Chermont de Miranda), 1958 (Tó Teixeira), 1983 (Antonio Maciel) e 1995 (Marluí Miranda).

São narrativas fantásticas de religiosos jesuítas, antropólogos, cronistas e poetas populares da riqueza ancestral do carimbó. Para o professor-doutor, a revisão do processo de tombamento do carimbó será a busca de um reconhecimento sincero aos verdadeiros guardiões desta manifestação cultural. "A nossa proposta também é buscar o reconhecimento do carimbó como patrimônio da humanidade por simbolizar a luta e a preservação dos povos da floresta, da vida na Amazônia e no planeta", adianta Maciel.

Apresentação inédita dos Canarinhos de Lucindo - Canto e Dança - "Reconhecimento ao Caboclo, Poeta e Pescador Lucindo - 80 Anos de Anonimato" (Idealização: Antonio Maciel - Apoio: MPEG/CNPq, Rotary Club Belém, Rede CELPA, Fundação Rômulo Maiorana - Rádio, Jornal e TV Liberal (Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG - 08 de Outubro de1986. Foto: A. Pinheiro.

Já o mestre Lucindo, ganhou importante homenagem do professor-doutor Antonio Maciel. No último dia 26, Maciel tomou posse na cadeira de número 36, da Academia Itaitubense de Letras, onde ele defendeu "Mestre Lucindo, Poeta da Ecologia". "É uma honra muito grande colocar Lucindo entre os maiores e consagrados poetas do Brasil, pois, Lucindo é o legítimo representante da poesia popular da Amazônia", destacou Maciel.

Para quem quiser conhecer uma síntese dos estudos do professor-doutor Antonio Francisco de Almeida Maciel e outras publicações pode enviar um e-mail para [email protected]. Ele tem material pronto sobre o I Colóquio Internacional do Instituto de Pesquisa e Estudos Culturais e Ambientais Sustentáveis da Amazônia – "Curimbó Ancestral": Timbres, Vozes e Ritmos da Floresta.


Após 365 dias em completo isolamento social - Belém/Marambaia - 23 de Março de 2020 a 23 de Março de 2021.