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Opinião | "One World" e o poder incomparável de Lady Gaga


Em 2008, a indústria fonográfica ganhava um novo e ressonante capítulo com a insurgência astronômica de Lady Gaga, alter-ego recheado de referências da jovem Stefani Joanne Angelina Germanotta. Com o lançamento de "The Fame", seu álbum de estreia que até hoje carrega o título de um dos melhores débuts da História da música, a artista mostrou-se versátil ao ponto de recuperar as glórias do início do século do pop ao mesmo tempo que reinventava-se – aspecto que seria apenas confirmado em pouco mais de uma década de carreira, cinco CDs solos, uma colaboração ao lado do lendário Tony Bennett e uma trilha sonora que viria a se tornar a mais premiada de todos os tempos.

Ao longo do denso "The Fame Monster", do político "Born This Way", do subestimado "ARTPOP", do intimista "Joanne" e das irretocáveis rendições de "Nasce Uma Estrela", Gaga viria a levar para casa nada menos que 11 estatuetas do Grammy – além de um Oscar, dois Globos de Ouro, um BAFTA e centenas de outros prêmios que a colocariam como a segunda artista viva mais laureada (perdendo apenas para outra lenda da música, a nossa sempre impecável Beyoncé). Mas a estonteante vida da performer, que a cada ano abre um novo capítulo e nos entrega algo inesperado, não é apenas pautada em condecorações máximas do mundo da música e da atuação: ela, assim como tantos outros que vieram antes, sempre destinou grande parte de sua existência para ajudar os outros através de dezenas de atividades filantrópicas – que confirmaram-se mais uma vez em 2020 com a curadoria do "One World: Together at Home".

Desde o sucesso que Gaga fizera com o remake de "Nasce Uma Estrela", seus fãs (apelidados carinhosamente de little monsters) clamavam pelo retorno da popstar ao mundo da música – com ênfase no gênero pop, que já vinha deixando de lado desde 2014 para explorar outras vertentes de suas múltiplas máscaras artísticas. Não foi até o começo deste ano que "Stupid Love", single de seu próximo álbum, viria a causar comoção entre os ouvintes – mas a alegria duraria pouco: mesmo com uma estreia sólida nos charts (conquistando o 5º lugar da Hot 100 da Billboard apesar de ter vazado um mês antes do lançamento oficial), a cantora e compositora parecia não investir muitos esforços para que a música continuasse nas paradas internacionais ou nas rádios. E o motivo seria explicado poucas semanas depois.

Em meio à pandemia sem precedentes do novo coronavírus (COVID-19), a Gaga perceberia que seu lado filantrópico e empático precisava ser colocado em ação de novo: afastando-se das mídias, ela conseguiu reunir esforços inenarráveis para dar vida a um evento musical que talvez tenha ultrapassado as expectativas de qualquer um. O "One World", como ficou conhecido o supracitado "festival", foi transmitido na noite de ontem através de diversos canais estadunidenses e brasileiros, começando às 15h (horário de Brasília) e estendendo-se até as 23h, trazendo uma mistura extremamente equilibrada de novos e clássicos talentos da esfera do entretenimento, além de unir o mundo mais uma vez em uma luta pela saúde que trouxe comentários de especialistas da área da saúde e de grandes líderes globais.

Ao longo de oito horas, nomes como Charlie Puth, Jessie J, Adam Lambert, Ellie Goulding, Jess Glynne e Annie Lennox aceitaram o convite de Gaga para participarem dos pré-shows, pequenos vídeos pré-gravados que seriam transmitidos ao longo do dia com clássicos originais ou rendições espetaculares em homenagem aos profissionais que estão na linha de frente para impedir que o vírus nos ataque. Jennifer Hudson faria uma memorável (sem trocadilhos intencionais) apresentação de "Memory", dando uma pausa antes de voltar com "Hallelujah"; Andra Day abriria as performances com a emocionante e impecável "Rise Up" (um hino necessário para os dias que enfrentamos).

Mais à noite, o show principal ocorreria: a curadora e organizadora do evento nos encantaria com sua voz e com uma releitura de "Smile", de Nat King Cole. Os Rolling Stones se reuniriam cada um em sua casa para uma apresentação tão exuberante quanto seus concertos ao vivo; Billie Eilish e Finneas sairiam de uma vitória espetacular do Grammy Awards para a acústica versão de "Sunny"; Taylor Swift cantaria uma de suas iterações, "Soon You"ll Get Better"; e, para fechar com chave de ouro, Gaga se reuniria na vindoura colaboração com Céline Dion, John Legend, Andrea Bocelli e Lang Lang em "The Prayer", música que já vinha sendo promovida como uma das melhores dos últimos anos desde 2019.

Entretanto, se os nomes supracitados já nos tiraram o fôlego, nada poderia nos preparar para os solilóquios de esperança e de militância trazidos em uma reflexiva retórica por convidados imprescindíveis: Matthew McConaughey, Danai Gurira, Don Cheadle, Queen-B, Samuel L. Jackson, Oprah Winfrey, Bill Gates e até mesmo uma colaboração inesperada e chocante de Michelle Obama e Laura Bush, duas ex-primeiras damas dos Estados Unidos que sucederiam comentários de outros influentes nomes da política, da saúde, da economia e da sociedade. Tudo isso feito com o apoio da OMS, da Global Citizen, e supervisionado por Lady Gaga.

E por que exatamente falamos disso?

Desde sua ascensão à fama, a performer nunca deixou de apoiar minorias sociais, destinando grande parte de seu lucro e de suas músicas para a comunidade LGBTQ+. Em 2011, fundou a Born This Way Foundation ao lado da mãe, Cynthia Germanotta. Estabelecida na Universidade de Harvard e nomeada a partir de seu álbum lançado no mesmo ano, essa organização não-lucrativa visa à inspiração dos mais jovens e à construção de um mundo melhor, principalmente àqueles que foram expulsos ou fugiram de casa ao se assumirem. Partindo dos princípios de coragem, gentileza e apoio, suas campanhas surtem efeito até hoje e contribuem para prospectos mais sólidos a todo mundo. Um ano atrás, Gaga diria que não poderia participar da regravação de "We Are the World", single de caridade em apoio ao terremoto que devastou Haiti e deixou milhares de mortos; pouco depois, destinaria os lucros de seu show em Nova York para ajudar a reacender a chama de esperança aos necessitados.

Em 2019, ela entregaria um histórico discurso durante a celebração dos 50 anos de Stonewall, agradecendo aos mais velhos por se imporem em busca de um futuro melhor. Nove anos antes, faria declarações polêmicas condenando a política do Don"t Ask, Don"t Tell, expondo as falcatruas da esfera militar norte-americana e condenando a homofobia que se escondia nos quartéis. Neste ano, pouco antes de anunciar a espetacular live que pararia o mundo mais uma vez, Gaga realizaria diversas reuniões virtuais com empresas multi-bilionárias para arrecadar US$35 milhões para auxiliar no combate ao coronavírus.

E, se você pensava que os esforços já haviam acabado, os shows que organizou meticulosamente para nos manter entretidos e agradecer aos soldados da linha de frente das pesquisas científicas e dos que lutam para salvar centenas de vida por dia culminaram em uma receita de quase US$128 milhões para auxiliar os trabalhadores.

Em meio a solilóquios e ações vazias, Lady Gaga provou mais uma vez que seu legado e sua influência são maiores do que muitos lhe dão crédito – e, sem a menor sombra de dúvida, mostra ser a pessoa mais poderosa do mundo por uma série de razões explicadas nos parágrafos acima. Entretanto, isso não é o principal: o principal é que esse poder imensurável é sempre destinado para o bem e, como sempre defendeu, para o trilhamento de um futuro mais colorido, empático e ensolarado.

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