Ameaças na Irlanda do Norte provocam suspensão dos controles alfandegários pós-Brexit

Funcionários do porto reclamaram de pessoas anotando as placas de seus carros quando chegam para trabalhar. Com o Brexit, desembaraço de produtos que chegam à ilha da Irlanda ficou mais lento. Imagem de placa que pede para que não haja marcação de fronteira entre Irlanda e Irlanda do Norte

Phil Noble/Reuters

Os funcionários do Porto de Larne, na Irlanda do Norte, afirmaram às autoridades locais que estão preocupados com ameaças que têm recebido nas semanas recentes.

Perto do porto, houve dias em que foram observadas pessoas que anotavam as placas dos carros dos funcionários e apareceram grafites nos arredores -em um deles, lia-se "Descanse em paz, Acordo da Boa Sexta-feira". Esse é o nome pelo qual ficou conhecido o tratado que pôs fim aos conflitos armados na Irlanda do Norte, em 1998.

Por causa da campanha de intimidação, os funcionários da Irlanda do Norte e da União Europeia foram temporariamente retirados.

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A polícia da Irlanda do Norte afirma que não há evidências de que há uma campanha de intimidação por parte dos grupos paramilitares.

Os policiais também disseram que que aumentaram as patrulhas para tranquilizar os funcionários e a população local.

Os problemas do Brexit

Desde o acordo de paz de 1998, as fronteiras entre os países ficavam abertas, sem nenhum tipo de controle de entrada de produtos ou pessoas.

Com o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, isso ficou mais difícil.

Mapa mostra as ilhas da Bretanha e Irlanda

G1

A Irlanda é um país independente e faz parte da União Europeia.

A Irlanda do Norte, que fica na mesma ilha, pertence ao Reino Unido, que deixou o bloco europeu.

Com o Brexit, há um controle alfandegário mais rígido na chegada de produtos à Irlanda do Norte.

Na prática, isso tem causado atrasos no comércio de bens que chegam da ilha da Bretanha.

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A divisão do país

O primeiro-ministro da Irlanda, Micheál Martin, afirmou na terça-feira (2) que condena a intimidação dos agentes de alfândega que trabalham no porto.

O governo da Irlanda do Norte suspendeu algumas inspeções.

Entre os norte-irlandeses favoráveis à união com o Reino Unido já havia oposição às barreiras colocadas no comércio entre a Inglaterra e a Irlanda do Norte.

O partido que representa essas pessoas, o DUP, tem feito pressão para que não haja alfândega entre o resto do Reino Unido e a Irlanda do Norte.

No entanto, após as ameaças, o DUP tem pedido calma aos seus apoiadores.

Apesar dos acordos de 1998, a Irlanda do Norte ainda tem separações muito marcadas: os católicos querem que o país passe a integrar a Irlanda, e os protestantes preferem permanecer integrados ao Reino Unido.

Reação do Reino Unido

O governo do primeiro-ministro britânico Boris Johnson pediu "calma e moderação" diante da crise na Irlanda do Norte.

Esta intimidação é "completamente inaceitável", afirmou no Parlamento de Londres o ministro do gabinete Michael Gove. "É vital que todos na Irlanda do Norte, e no Reino Unido, tenham calma e moderação, além da determinação para resolver os problemas", completou.

Desde a entrada em vigor em 1 de janeiro do novo regime pós-Brexit, as mercadorias que atravessam o mar da Irlanda entre a Grã-Bretanha e a província britânica devem passar por controles alfandegários.

Isto porque, apesar do Brexit, a Irlanda do Norte continua fazendo parte do mercado único europeu para evitar o restabelecimento de uma fronteira com a vizinha República da Irlanda - país membro da UE -, o que poderia ameaçar a frágil paz entre unionistas protestantes e republicanos católicos alcançada em 1998, após três décadas de conflito violento.

Recentemente, o vice-comandante da polícia norte-irlandesa advertiu que o regime diferente aplicado nesta província estava provocando um "crescente descontentamento" entre os unionistas, que defendem a manutenção da Irlanda do Norte sob domínio britânico.

"É difícil para os políticos (controlar) o nível de ira que existe na comunidade", afirmou ao canal BBC o ministro norte-irlandês da Agricultura, Edwin Poots, que pediu calma.

A primeira-ministra da Irlanda do Norte, Arlene Foster, uma unionista pessoalmente contrária aos controles alfandegários, chamou as ameaças de "completamente reprováveis", ao mesmo tempo que alertou para as "tensões comunitárias" na Irlanda do Norte.

Do outro lado da fronteira, o ministro irlandês das Relações Exteriores, Simon Coveney, condenou no Twitter "qualquer intimidação ou ameaça".

Doze funcionários locais trabalham no porto de Larne ao lado dos agentes do ministério norte-irlandês da Agricultura e integrantes da polícia de fronteira britânica.

A retirada dos funcionários com "efeito imediato" terminará quando "tivermos garantias reais e plena confiança de que podem cumprir sua missão sem medo", afirmou o conselheiro Peter Johnston.

Pouco depois, um porta-voz do ministério norte-irlandês da Agricultura anunciou que a pasta decidiu "suspender temporariamente as inspeções físicas de produtos de origem animal em Larne e Belfast". Os controles de documentos continuarão.

O ministro irlandês da Saúde, Stephen Donnelly, explicou no canal público RTE que as pinturas em questão era "muito ameaçadoras" e estavam direcionadas contra funcionários que participam nos controles e "certos políticos irlandeses".

Os novos controles pós-Brexit "permitem que o Norte siga constitucionalmente como está, mas com um acesso especial aos mercados da União Europeia. E evitam uma fronteira física nesta ilha. Os controles são importantes e este tipo de intimidação é totalmente inaceitável", completou.

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