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Ciência e Saúde

Idosos, negros, minorias: quem é deixado para trás na pandemia



"A Covid-19 descortinou um Brasil que a gente não queria ver. Isso só vai mudar quando tivermos uma política de cuidados ao longo da vida toda, da infância à velhice", diz especialista Na semana passada, assisti a dois seminários pela web que tratavam das desigualdades sociais e econômicas e seus reflexos no combate ao novo coronavírus. Apesar de um ter acontecido nos Estados Unidos e o outro no Brasil, eram complementares. O do dia 27 de abril foi promovido pelo centro de longevidade da Universidade de Stanford; o dia 29 reuniu especialistas brasileiros em geriatria e gerontologia. Em ambos, a mesma constatação: dizer que o vírus não discrimina peca pela inexatidão, porque há grupos que estão muito mais desprotegidos que outros.

Vou começar pelo evento on-line de Stanford, porque sempre achamos que a grama do vizinho é mais verde e que os problemas de lá são menos severos que os daqui – o que não é verdade. Amani Allen, professora de epidemiologia na Universidade da Califórnia, Berkeley, afirmou que, nos EUA, os negros têm mais doenças e vivem menos. Um exemplo: no estado do Michigan, no centro-oeste norte-americano, os afrodescendentes correspondem a 14% da população, mas representam 40% das mortes. "O conceito de raça é uma construção social da desigualdade. Desde a infância os negros têm uma proteção menor do sistema de saúde e capacidade limitada de ascensão social. A Covid-19 está jogando luz nas disparidades", disse a pesquisadora. "Sabemos como melhorar a qualidade do atendimento, mas não como acabar com a desigualdade. Quando a pandemia passar, o que faremos para que a situação não se repita?", questionou. No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde entre 10 e 26 de abril, cresceu o percentual de pretos e pardos entre internados e mortos.

Apesar de serem o principal grupo de risco, os idosos são ignorados na elaboração de estratégias para combater a pandemia

Cataortizparodi0 por Pixabay

David Hayes-Bautista, diretor do centro de estudos de saúde da população latina da Universidade da Califórnia, Los Angeles, destacou um outro segmento da sociedade norte-americana que está na linha de frente: "os latinos são, em sua maioria, parte do grupo de trabalhadores essenciais, os mais expostos ao novo coronavírus". Agora vamos somar os idosos a esse contingente que vem sendo deixado para trás. Na quarta-feira, o Reino Unido acrescentou, em um só dia, quase 5 mil mortes à sua contabilidade. Antes dessa data, as autoridades britânicas contabilizavam apenas óbitos em hospitais, ignorando os que haviam morrido em casa ou em asilos, o que mostra como os velhos que estão em instituições podem se tornar vítimas invisíveis.

Essa invisibilidade foi a tônica do painel "Covid-19 no Brasil = gerontocídio?", promovido na quinta-feira pela Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Anita Liberalesso Neri, professora da Unicamp, afirmou que, como cidadã e idosa, está preocupada: "há uma falsa solidariedade com os idosos, que são vistos apenas como frágeis, desamparados e improdutivos, sendo culpabilizados por onerar o sistema de saúde. Assistimos a um pico de emergência do etarismo (preconceito contra os velhos)". Marilia Berzins, presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento, ressaltou que, de acordo com os dados populacionais, "a velhice é mulher, pobre e negra, a situação mais desigual, a de piores condições nesse cenário de pandemia".

Alexandre da Silva, professor da Faculdade de Medicina de Jundiaí, enfatizou a maior letalidade do novo coronavírus para os negros: "não podemos esquecer que mais da metade dos auxiliares de enfermagem é composta por mulheres negras. Para elas, o isolamento social é um privilégio". E foi duro em sua análise: "o que está acontecendo é uma necropolítica, com mais óbitos de idosos e negros". Na avaliação da geriatra Karla Giacomin, consultora da OMS para políticas públicas sobre o envelhecimento, "a Covid-19 descortinou um Brasil que a gente não queria ver. Só haverá outra realidade quando tivermos uma política de cuidados ao longo da vida toda, da infância à velhice, para todos". Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional da Longevidade e moderador do evento, lembrou que, no Brasil, a pandemia tem inclusive uma "cara jovem": "as comorbidades afetam nossa população mais precocemente e por isso adultos jovens se tornam vítimas da Covid-19".

Apesar de serem o principal grupo de risco, os idosos são ignorados na elaboração de estratégias para combater a pandemia. Essa foi a conclusão de um estudo publicado no "British Medical Journal" elaborado por pesquisadores de três universidades. Um deles, o professor Lloyd-Sherlock, da University of East Anglia, foi enfático: "a resposta global ao coronavirus deveria contemplar quem vai sofrer as consequências mais devastadoras, e isso ocorrerá com os idosos dos países de renda baixa ou média. Nessas nações estão 69% da população acima dos 60 anos e as condições para o isolamento social são precárias".

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